terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Casal gay russo foge da homofobia em Sochi para se casar em Buenos Aires

A lei argentina de 2010 prevê que casais homossexuais tenham os mesmos direitos que casais heterossexuais Foto: Reuters

Um casal gay de Sochi, na Rússia, casou-se nesta terça-feira em um cartório de Buenos Aires, aproveitando a lei argentina de matrimônio igualitário em vigor há três anos. Os russos Alexander Eremeev, de 47 anos, e Dimitri Zaitser, de 35, mudaram-se para a capital argentina há dois meses. Eles viviam na cidade-sede dos Jogos Olímpicos de inverno e a deixaram pouco antes do início da competição.
Eles disseram que se sentiam "perseguidos pela homofobia" na Rússia, principalmente depois da aprovação da lei "contra a propaganda homossexual" no ano passado. Promulgada por Vladimir Putin, a lei proíbe a "difusão de relações não tradicionais entre menores de idade", segundo divulgou a imprensa na ocasião.
Com a ajuda de um intérprete e cercados por jornalistas e casais gays argentinos, Eremeev e Zaitser se casaram vestindo bermuda e colete, sem camisa por baixo e com flores com as cores da bandeira russa presas à lapela. Após a cerimônia, os noivos se reuniram com amigos em um restaurante para comemorar.
"Este casal saiu do próprio país em busca de um lugar onde podem realizar seus sonhos sem preconceitos", disse Diego de Jesús Arias, ativista que participou da cerimônia.
Direitos iguais
A lei argentina de 2010 prevê que casais homossexuais tenham os mesmos direitos que casais heterossexuais, o que inclui documentos e o direito de adoção de crianças.
"Eles estavam lindos e muito felizes", disse o argentino José Maria di Bello, que ajudou o casal russo a realizar a cerimônia.
Di Bello e o marido, Alex Freire, ficaram conhecidos por terem sido o primeiro casal gay a se casar no país, em 2009. Eles se uniram antes da lei nacional ser promulgada, em uma cerimônia na cidade de Ushuaia, na Patagônia argentina.
"Os dois leram sobre nosso casamento e a nova lei e decidiram vir para cá. Conhecemos eles na porta de um protesto na embaixada da Rússia aqui em Buenos Aires", afirmou Di Bello.
O casal russo já havia realizado uma cerimonia religiosa, mas sem registro oficial, na Tailândia. Ainda assim, o sentimento de perseguição em sua própria terra não desapareceu e eles decidiram ir para Buenos Aires, de onde continuam trabalhando, via internet, para uma agência de viagens.
"Agora, querem adotar um bebê e pedirão asilo à Argentina por meio da Comissão Nacional de Refugiados", disse di Bello.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Presidente de Uganda assina lei que pune homossexualidade com prisão perpétua











 
O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, sancionou nesta segunda-feira uma lei que pune com prisão perpétua atos homossexuais "com agravantes", lei que endurece a perseguição de seu governo a uma orientação sexual já tipificada como crime.

A Lei Homofobia foi aprovada pelo Parlamento em dezembro, mas o presidente decidiu adiar sua entrada em vigor até saber os resultados de um estudo encarregado a um grupo de 14 cientistas.

O grupo concluiu que a homossexualidade "não é genética", mas uma opção derivada de uma conduta social "anormal".

Encarregado após as várias críticas recebidas por parte da comunidade internacional, o grupo sustenta que "o homossexualismo não é uma doença, mas simplesmente um comportamento anormal que é aprendido através das experiências da vida".

A sanção de hoje, transmitido pela televisão pública ugandense, o presidente referendou o relatório e disse que a homossexualidade é produto da educação recebida, e portanto um fator corrigível.

Também é dada por motivos econômicos, argumentou Musaveni, que chamou os homossexuais de "mercenários e prostitutas".

"Muitos de nossos homossexuais são mercenários. Na verdade, são heterossexuais e se transformam por dinheiro, são como as prostitutas", disse.

Musaveni afirmou ainda que não está preocupado com o efeito que a nova lei terá nas relações internacionais de Uganda.

"As relações entre países devem se basear na igualdade, não no servilismo. Posso aconselhar nossos amigos ocidentais a não transformem esse assunto em um problema, porque quanto mais o fizerem mais perderão", afirmou.

Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, advertiu que a assinatura dessa lei seria um retrocesso na proteção dos direitos humanos que complicaria a relação entre os dois países.

A minuta do projeto, transformado hoje em lei, foi apresentada em 2009 com penas tão severas como a condenação à morte pela comissão de atos de "homossexualidade com agravantes".

Isso incluiria o estupro homossexual, as relações homossexuais com menores de idade ou incapacitados ou quando o acusado seja portador do HIV. A revisão do texto substituiu a pena de morte por prisão perpétua.

Na semana passada, o presidente ugandense assinou outra lei contra a pornografia que, entre outros comportamentos "insidiosos", proíbe e pune o uso da minissaia. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Casal gay é agredido após bloco de carnaval




No último final de semana, o momento de diversão das namoradas Vanessa de Holanda, de 24 anos, e Leidiane Carvalho, de 31 anos, se transformou em um pesadelo. Ao sair do bloco Boi Tolo, que saiu no sábado, 14 de fevereiro, no Centro do Rio de Janeiro, Vanessa foi agredida violentamente por dois homens. A jovem foi espancada, levou chutes nas costas e pernas e teve as roupas rasgadas, deixando parte dos seios à mostra. Ao tentar ajudar a companheira, Leidiane também foi agredida.
Apesar do crime ter acontecido no fim de semana, só agora elas resolveram falar. Na madrugada de domingo, Vanessa já havia desabafado em seu perfil no Facebook e afirmado que não faria registro na polícia.
“Não vou porque eles também não se importam. Não vou fazer exame de corpo de delito, nem na delegacia, nem no médico. Eles estão do outro lado, amigos. Ontem à noite eu me senti minoria. E que ninguém além dos meus pode ser comigo. Nós estamos sós. Não dói”, havia escrito a jovem. A mensagem teve mais de 800 compartilhamentos e o caso ganhou repercussão entre os internautas.

O relato de Vanessa no Facebook causou revolta em muitos internautas
O relato de Vanessa no Facebook causou revolta em muitos internautas Foto: Reprodução/Facebook

No início desta semana, no entanto, o casal procurou o Centro de Cidadania LGBT, do programa Rio Sem Homofobia, onde recebeu atendimento jurídico e psicológico. O advogado que as atendeu orientou que fizessem a denúncia. Um registro de ocorrência foi feito no próprio Centro e será encaminhado para a Polícia Civil. Nesta quarta-feira, as jovens compareceram à 5ª Delegacia de Polícia, no Centro, onde o crime foi registrado como roubo por motivo presumido de homofobia.
Ainda em casa por conta dos machucados, Vanessa conta que agora, mais que a dor, ficou a mágoa. Além de não haver policiamento na Rua Luis de Camões, atrás do Teatro João Caetano, onde aconteceu a agressão, ela conta que as pessoas em volta assistiram ao ataque sem manifestar ajuda.

O crime foi registrado como roubo por motivo de homofobia
O crime foi registrado como roubo por motivo de homofobia Foto: Arquivo Pessoal

- Tinham muitas, muitas pessoas perto. O lugar era iluminado, tinha música, etc. O segurança do teatro estava por perto. A Leide perguntou pra ele como ele não fez nada e ele respondeu apenas "não tenho nada com isso. Trabalho para o teatro”. Não sei o que foi pior, as pancadas ou o descaso nítido. As pessoas não se importam.
Apenas um homem tentou ajudar Vanessa, impedindo que os agressores continuassem a espancá-la. Um deles correu e o outro ainda parou para roubar o celular da jovem. Uma senhora, ao ver a cena, também teria gritado por socorro, mas não teve sucesso.
Cartaz distribuído no evento Ocupa Lapa, esta semana, lembra o agressão
- Você e sua namorada chegam totalmente agredidas e humilhadas em casa e acham mesmo que não existe violência ou machismo. Estava com muita raiva, nem doía nada na hora - contou.
“É a ponta do iceberg”
O coordenador do programa Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, conta que o caso das jovens, infelizmente, é mais um entre tantos que ocorrem constantemente. Apenas este ano, ele cita um ativista assassinado em São Gonçalo e agressões a homossexuais no Aterro do Flamengo como outros exemplos da violência diária sofrida por gays, lésbicas, travestis e transexuais.
- Ano passado, tivemos pelo menos 20 homicídios por motivo homofóbico no Rio. Há uma preocupação nossa com o aumento da violência contra a população LGBT. Por mais que tenha avançado o debate, tem havido também uma onda fundamentalista e religiosa, que insiste em invocar valores de rejeição, preconceito e agressão. É um momento de alerta - afirmou.
- Quarenta por cento das pessoas que procuraram os serviços do Rio Sem Homofobia em 2012 foram por denúncias de discriminação. Dá pra ter uma dimensão de como essa violência permanece em patamares muito altos. Esses dados são a ponta do iceberg. Precisa-os trabalhar, além da segurança pública, também o respeito. Sinto que há ainda uma banalização desse tipo de crime. É fundamental que todo mundo reaja. A atitude do cidadão que ajudou a Vanessa fez a diferença. Elas poderiam estar mortas - alerta Nascimento.
Quem precisar de ajuda do Rio Sem Homofobia, pode entrar em contato com o Disque Cidadania LGBT, no telefone 0800-0234567. O serviço é 24 horas e os atendentes são treinados para realizar a orientação. É possível ainda buscar ajuda nos quatro Centros de Cidadania LGBT existentes no estado, na Central do Brasil, no Rio; em Niterói, em Duque de Caxias e em Nova Friburgo.
Este ano, mais cinco centros devem ser inaugurados no estado, em Nova Iguaçu, Queimados, Macaé, Volta Redonda e Cabo Frio. No Carnaval, os centros vão funcionar todos os dias, de 28 de fevereiro a 9 de março, entre 9h e 18h. Haverá ainda policiamento especial em áreas onde haverá blocos e festas gays, além de campanha informativa para conscientização e prevenção à violência.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Outdoor com beijo gay é alvo de vandalismo em Vitória da Conquista

 



Um outdoor que estampava a foto de dois homens se beijando foi alvo de vandalismo neste domingo, 16, no município de Vitória da Conquista, a 215 km de Salvador.
A foto integrava uma exposição do Projeto Obranuncio, selecionado por um edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), que contava com dez obras dos artistas Alex Oliveira, George Neri, Rayza Lelis, Ricardo Alvarenga e Vinicius Gil.
A obra danificada está na avenida Juracy Magalhães, uma das mais movimentadas do município, e chegou a ser censurada por uma empresa de outdoor, mas foi exposta após a equipe conseguir outra que aceitasse produzir. As informações são do Blog do Anderson.

Mães são quem mais agridem os filhos por serem gays

Os principais agressores dos gays são da própria família. Esse é o resultado de pesquisa pioneira da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos sobre a homofobia no Brasil.

O estudo analisou quase sete mil casos de violência física e psicológica, muitos deles registrados pelo Disque 100, serviço de denúncias contra violações dos direitos humanos.
De acordo com o relatório, a maior parte das agressões homofóbicas acontece dentro de casa. E mais: são as mães quem mais agridem os filhos por serem homossexuais.
Em entrevista ao programa da TV Globo, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário afirma que a falta de punição nesses casos contribui para a homofobia. “Nós identificamos que as circunstâncias de impunidade no caso dos crimes de caráter homofóbico contribuem para a continuidade dessa violência”, declarou.
Edith Modesto, presidente do Grupo de Pais de Homossexuais, também deu entrevista ao programa. “Falou homossexual hoje em dia a maioria das pessoas já aceita, como filho do vizinho. Mas filho da própria pessoa ainda é difícil”. Ela disse que muitos filhos têm medo de como os pais vão reagir. “Uma vez, um deles me falou e eu nunca mais me esqueci. Ele falou ‘Edith, para o meu maior amigo eu já contei, porque se eu perder o meu amigo, eu posso arrumar outro. Mas se a mãe não me quiser mais, como eu vou fazer?’”, contou.
Fonte: http://www.pheeno.com.br/

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Aumento da violência revela homofobia e opressão classista

Presente nos mais diversos espaços de convívio, até mesmo naqueles que dizem presar pelo 
respeito à diversidade, a violência contra homossexuais cresce e revela um processo geral 
de acirramento das tensões, que envolve o avanço das conquistas de direitos sociais de 
parcelas da população historicamente discriminadas e exploradas e, em contrapartida, o 
crescimento das reações dos setores conservadores da sociedade.

Relatório do governo federal revela aumento expressivo da violência contra homossexuais no Brasil em 2012 em comparação com 2011. O levantamento, feito a partir dos registros do Disque 100 e de informações divulgadas pela imprensa, traz números surpreendentes. Em 2012, foram registradas 9.982 violações relacionadas à população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), envolvendo 4.851 vítimas – média de 27,7 casos por dia. Em relação à 2011, o aumento foi de 46,6%. Os jovens são os principais alvos. Mais da metade das vítimas da homofobia têm idades entre 15 e 29 anos (61,16%) e, na maioria dos casos, mais de um tipo de agressão é registrado em uma mesma denúncia. Pelo levantamento, verifica-se que as violências psicológicas foram as mais reportadas (83,2% do total), seguidas de discriminação (74,01%) e agressões físicas (32,68%). Foi a primeira vez, no Brasil, que o governo federal lançou dados oficiais sobre as violações de direitos humanos dos LGBT. Organizações como o Grupo Gay da Bahia (GGB) também registraram aumento de violências e de denúncias
em 2012. Homicídios, agressões físicas e psicológicas, humilhações, hostilização, ameaças, calúnia, injúria, difamação, perseguição, chantagem, abuso financeiro e discriminação no local de trabalho compõem o rol das violências contra os homossexuais. Os ataques homofóbicos não constituem fatos isolados. Fazem parte de um processo geral de acirramento das tensões que envolvem o avanço das conquistas de direitos sociais de parcelas da população historicamente discriminadas e exploradas pelo modelo capitalista de produção e, em contrapartida, o crescimento das reações dos setores conservadores da sociedade. “O aumento dessa violência, mais do que visível no sentido do senso comum, é fato concreto. Até porque, se damos mais visibilidade a nós, sujeitos LGBT, isso provoca uma maior reação dos contrários a qualquer forma de vida que não seja heteronormativa [termo que pressupõe como única norma social a heterossexualidade], pequeno-burguesa e nesse padrão fechado. As pessoas estão denunciando mais as violências em virtude da gradativa mudança de costumes que ocorre na sociedade”, analisa Sergio Aboud, representante da Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff), Seção Sindical do ANDES-SN, no Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, Étnicorraciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do Sindicato Nacional. Os direitos dos homossexuais têm sido objeto de intenso debate público nos
últimos anos em razão do aumento da visibilidade do tema, incluindo aí os meios de comunicação e o Congresso Nacional. Também surgiram vários estudos acadêmicos. É o caso da tese de doutorado sobre homofobia no ambiente de trabalho do professor Hélio Arthur Reis Irigaray, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.
O professor observa que, se por um lado houve avanço importante em certos aspectos da homoafetividade, como o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, por outro registraram- se, nos últimos meses, aumento das manifestações de ódio que vão de linchamentos a declarações condenáveis de políticos. Segundo Irigaray, essa mesma dinâmica da sociedade é reproduzida no ambiente de trabalho. Nas empresas, a homofobia é assunto proibido, mesmo em lugares que promovem a diversidade. “As organizações têm um discurso certinho, de responsabilidade social e de inclusão de minorias”. Mas ouvir um homossexual descrever a vida corporativa, tudo muda de figura. Até hoje existem casos de gays agredidos fisicamente no trabalho, mesmo em corporações com política de diversidade. O homem branco heterossexual tem muito mais facilidade para progredir na carreira que o gay. Os homens homossexuais são bem aceitos quando são cabeleireiros, comissários de bordo, profissionais das artes, de telemarketing, carreiras associadas às mulheres. Fora isso, os gays assumidos esbarram em tetos invisíveis. “A dificuldade de crescimento profissional existe mesmo em companhias com políticas de inclusão estabelecidas”, diz o professor.
É o caso da universidade, ambiente que, apesar dos avanços na abertura para o debate do assunto e local propício para aceitação das diferenças em virtude de ser, teoricamente, o locus da pluralidade de ideias, da formulação de novos conceitos e da realização de pesquisas, também lida com a homossexualidade com preconceito e discriminação. “As instituições são refletores da sociedade, a qual, por muitos ou por incontáveis fatores, tem uma aversão contra a população LGBT. E tanto nos sindicatos como nas instituições temos as brincadeirinhas, as piadas. Todas as falas de ofensas, tais como “viadagem” e outros termos chulos, que vão entrar nesse lugar, colocando esses sujeitos como seres inferiores“, analisa o professor de sociologia João Diógenes, da UniversidadeEstadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

Fonte: http://portal.andes.org.br/imprensa/noticias/imp-inf-392899837.pdf

sábado, 15 de fevereiro de 2014

As pessoas trans não são invisíveis, mas você as vê?



De todas as identidades que compõem a sopa de letras que convencionamos em chamar “comunidade LGBT”, as pessoas travestis, transexuais e transgênero, identificadas pela letra “T”, aparecem sempre no último lugar. E não é apenas na sigla. Elas constituem um dos grupos socialmente mais vulnerados, estigmatizados e vitimizados pelo preconceito alheio, pela violência muitas vezes letal e pela discriminação em quase todos os âmbitos da vida pública e privada, começando muitas vezes pela própria família.
O Estado lhes nega um dos direitos mais básicos e elementares de todo o ser humano, reconhecido em quanto tratado de direitos humanos exista no mundo, que é o direito à identidade. Vivem e morrem como NN, sem contar sequer com uma carteira de identidade com seu nome real, aquele pelo qual se sentem chamadas, e nos poucos casos em que conseguem tê-la, precisam percorrer para isso um longo caminho de advogados, médicos, psicólogos e juízes. A rejeição, a incompreensão e o desprezo se abatem sobre elas, na maioria dos casos, desde a mais tenra infância, na própria família, que as expulsa de casa com vergonha. Na rua, são obrigadas a viver na marginalidade, criando laços de solidariedade entre elas, mas invisíveis ou desprezíveis para a maioria dos outros. A escola não as entende e, em vez de recebê-las de braços abertos, acaba obrigando-as a pedir para sair. Até ir no banheiro é um desafio e pode resultar em violência ou constrangimento. O mercado de trabalho não tem um lugar para elas, a não ser a prostituição, ou, no melhor dos casos, alguns poucos empregos específicos, como o salão de beleza ou o telemarketing. Como a prostituição não é regulamentada, quem opta por essa profissão — muitas vezes numa idade em que isso não deveria acontecer, porque ainda não é escolha mas exploração criminal — sofre na rua a perseguição e os abusos da polícia e é obrigada a conviver diariamente com a violência. A exclusão e o desemprego, ou o emprego precário, não vêm sozinhos, e a maioria das pessoas trans, além de sofrer as consequências do estigma que pesa sobre elas, são pobres numa sociedade brutalmente desigual. A prevalência das DST é mais alta entre elas e a taxa de homicídios lhes reserva um lugar de trágico privilégio, inclusive em relação ao resto das pessoas LGBT, já que os crimes de ódio contra pessoas trans são sempre mais, e mais selvagens, mais cruéis. Não morrem de uma facada, mas de dez, e quando uma travesti é assassinada dessa maneira, a imprensa, na maioria dos casos, diz que foi morto “um” travesti e cita aquele nome que só existe nos papeis mas ninguém conhece, negando a identidade da vítima até no seu epitáfio.
As pessoas trans estão últimas até na luta pelos seus direitos. Diferentemente de gays e lésbicas, que temos conseguido, nos últimos tempos, começar a vencer preconceitos, ganhar empatia de boa parte da população e conquistar direitos que antes nos eram negados, elas são discriminadas inclusive na própria comunidade da diversidade sexual e suas demandas mais básicas são ignoradas pela maioria dos políticos e dos movimentos sociais. Até as representações artísticas que dizem alguma coisa sobre elas, na maioria dos casos, as invisibilizam: filmes, peças e novelas sobre travestis e transexuais são protagonizadas por atores e atrizes cisgênero — e muitas dessas obras são excelentes, com atuações memoráveis, mas por que uma atriz travesti não pode fazer de travesti no cinema? — e nos espaços artísticos que eles e elas conquistaram, fazendo stand up, dançando ou cantando em boates e saunas do ambiente, a arte que produzem não é tratada como arte pelos editais dos programas estatais, pelos sindicatos de artistas ou pela indústria cultural.
Eu peço ao leitor que dedique alguns minutos a lembrar quantas travestis ou transexuais masculinos ou femininas conhece que sejam advogados, médicos, atendentes de loja num shopping, políticos, juízes, gerentes de banco, porteiros, eletricistas, motoristas de ônibus, empresários, professores numa escola ou na universidade, pilotos de avião, enfermeiros, apresentadores de televisão, garis, cientistas. Há gays e lésbicas em todas essas profissões, embora, em muitos casos, ainda sofram preconceito, como o sofrem negros e negras, mas você já viu uma pessoa trans? E se não, ou se são tão poucas que chamam a atenção pela excepcionalidade, qual a razão? Acaso existe algum impedimento natural para que desempenhem algumas dessas profissões? Por que assumimos, como se fosse óbvio, que o lugar de uma travesti é se prostituir, cantar numa boate gay, atender ligações escondida num call center ou cortar o cabelo? Você contrataria uma professora travesti para dar aulas de inglês ao seu filho? Escolheria um homem transexual numa entrevista de emprego para sua loja? Assistiria a um noticiário conduzido por uma mulher transexual?
Hoje é o dia internacional da visibilidade trans. Prestemos atenção à palavra: visibilidade. É algo que eles e elas não podem evitar (não existe armário para quem, da mesma maneira que acontece com os negros e negras, leva escrito no corpo aquele traço de sua identidade que é objeto do preconceito alheio, visível desde a infância, e não tem como ocultá-lo). Contudo, paradoxalmente, poucos grupos sociais são tão invisíveis quando as pessoas trans: invisíveis na família, na escola, na universidade, no emprego, na mídia, na política. Invisíveis são, na maioria das vezes, suas reivindicações. Invisíveis, muitas vezes, num movimento LGBT que se comporta como GGGG. E é esse aspecto político da visibilidade que é lembrado nesse dia. Você consegue ver?
O Brasil tem uma dívida com a comunidade trans. Como deputado federal, apresentei em 2013, junto à minha colega e amiga Érika Kokay (PT-DF), um projeto de lei de identidade de gênero, a lei “João Nery” (nome escolhido em homenagem ao autor do maravilhoso livro “Viagem solitária”, que narra a vida de João, um homem transexual cuja luta muito me inspira). Se aprovada, essa lei permitirá às pessoas trans mudarem de nome e de sexo na sua documentação pessoal, com a emissão de uma nova identidade e uma nova certidão de nascimento, sem passar pela humilhação de ser diagnosticadas como doentes mentais (como acontecia, tempo atrás, com os homossexuais), mediante um trâmite simples e rápido. A lei João Nery evitará que Cilene tenha que ir a uma entrevista de emprego com o CV de Felipe, que Maria seja chamada de Cláudio no consultório médico e que Vitor receba seu diploma universitário com o nome de Carmem. Cada um deles terá sua identidade de gênero e seu nome reconhecidos pelo Estado, não como “nome social” (que é uma maneira hipócrita de reconhecer o problema sem solucioná-lo), mas como nome legal. Eles e elas poderão, também, decidir sobre seu corpo, fazer cirurgia de transgenitalização e tratamentos hormonais se quiserem — o que já é possível, com dificuldades, pelo SUS — mas sem que isso seja condição para terem sua identidade reconhecida — porque nem todos querem alterar seu corpo. Será uma lei avançada, que recolhe as melhores experiências internacionais, especialmente a da vizinha Argentina, em cuja lei (mundialmente elogiada) me baseei para elaborar o projeto. A Câmara dos Deputados não pode continuar invisibilizando essa demanda! Peço à comunidade que me ajude para conseguir que a lei João Nery seja aprovada!
Mas é apenas o primeiro passo, que chega tarde. Seus efeitos mais profundos serão visíveis em algumas décadas, mas precisamos reparar as injustiças já cometidas e melhorar a vida de quem foi excluído até agora. Precisamos de políticas públicas de promoção da cidadania trans, que se ocupem de todos os problemas aqui mencionados: a proteção da infância, o acesso à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, a defesa contra o preconceito e a violência. Precisamos de ações afirmativas para a capacitação e a empregabilidade das pessoas trans. Algumas prefeituras têm boas iniciativas, como o projeto “Damas”, da CEDS do Rio de Janeiro, mas o que é necessário é uma política nacional, com orçamento e metas. Incluir aqueles e aquelas que foram injustamente excluídos.
E precisamos, sobretudo, de uma mudança cultural, para que as pessoas trans deixem de ser invisíveis. Isso só será possível com políticas de curto, meio e longo prazo que comecem na escola e que incluam o compromisso dos referentes políticos (quando a presidenta argentina, Cristina Kirchner, entregou pessoalmente as primeiras cédulas de identidade a travestis e transexuais na casa de governo e pediu perdão, em cadeia nacional, em nome do Estado, pela discriminação que elas tinham sofrido a vida inteira, não era apenas uma entrega de documentos o que estava acontecendo, mas uma mensagem para o conjunto da população, bem diferente do que acontece no nosso país, refém do fundamentalismo). Precisamos da ação dos meios de comunicação, do apoio dos sindicatos, do compromisso dos políticos, e de você, também de você.
Você também tem que perceber que eles e elas não são invisíveis. E começar a ver…
Fonte:http://jeanwyllys.ig.com.br/index.php/2014/01/29/as-pessoas-trans-nao-sao-invisiveis-mas-voce-as-ve/ dia 29 de janeiro de 2014.